“Sono Branco” consiste numa exposição de Ceci Lombardi onde nos é apresentada uma série de pinturas elaboradas com guache, aguarela, lápis de cor, e tinta-da-china sobre papel.
A artista questiona os limites da percepção através de um conjunto de obras que se abrem numa espécie de grito silencioso, um apelo que procura seduzir o olhar exterior, transformando-o no elemento final que redefinirá também os limites dessa experiência.

As composições de Ceci Lombardi nascem da apropriação sobre uma matéria supra-real: dentro dos limites de cada pintura, encontram-se pequenos pontos que parecem ligar-nos àquilo que entendemos como realidade, considerando os referentes disponíveis para conceitos simples como casa, rua, chão, ou árvore. Mas nesse jogo de expectativas, esses momentos micro-narrativos constroem um falsa noção de conforto, e reaparecem dentro de um contexto pictórico que os absorve, integrando-os subversivamente num espaço ao qual parecem não pertencer.

Esta relação desequilibrada entre objectos que aparentam ser estranhos entre si gera um conflito de pequenas explosões no interior das composições, revelando uma aproximação da artista à faculdade intrínseca que os elementos apresentam: a de se subdividirem em várias partículas. Este processo conduz-nos, invariavelmente, a um questionamento directo à noção de tempo: será a existência destes minúsculos pontos coloridos anterior ou posterior a um objecto maior do qual parecem derivar? Os caminhos que percorrem encontram-se nalgum momento de convergência, ou, pelo contrário, definem movimentos totalmente aleatórios? O facto de não nos ser dada a possibilidade de encontrar uma cronologia de eventos dentro de cada obra, faz com que os seus próprios limites espácio-temporais pareçam igualmente impossíveis de definir. Como se a deriva destes corpos fosse uma demanda pela sua própria evidência. Um objecto – pensemos numa pedra – apresenta uma série de atributos: uma cor, um peso, uma forma. Mas a artista parece estar determinada em encontrar uma outra propriedade: o tempo, como uma emanação de todo e qualquer elemento. Não de uma maneira sequencial ou biográfica, mas submetendo-se a uma existência contínua das coisas, aproximando-se de alguns conceitos científicos que nos apresentam a Natureza como uma amálgama complexa de matéria em permanente transformação.

“Sono Branco”, primeira exposição individual de Ceci Lombardi, revela-nos a urgência de uma procura essencial, onde a artista se rodeia e se apropria dos resíduos deste processo de contínua regeneração da matéria, sem a pretensão de fixar ou de limitar-lhes esse movimento, mas sim através de uma aceitação apaziguadora de que captar essas transformações é saber que uma obra de arte é, também ela, um objecto infinitamente incompleto.

                                                                                                           João Salaviza